1. Por que a cobrança extrajudicial virou peça-chave da gestão da Dívida Ativa
Durante muito tempo, a lógica predominante foi simples:
lança → inscreve em Dívida Ativa → ajuíza execução fiscal.
Hoje, esse modelo é cada vez mais questionado:
- O Judiciário está saturado de execuções fiscais com baixíssima taxa de recuperação.
- Tribunais de Contas e órgãos de controle cobram eficiência, não apenas volume de processos.
- A própria jurisprudência e recomendações de CNJ/ATRICON caminham na direção de:
“Use primeiro meios administrativos e extrajudiciais mais eficientes; só depois vá ao Judiciário e com critério.”
Nesse cenário, cobrança extrajudicial estruturada deixa de ser “gentileza” com o devedor e passa a ser:
- obrigação de boa governança;
- forma de provar esforço arrecadatório;
- e ferramenta concreta para aumentar recuperação com custo muito menor que a execução fiscal.
Dois pilares tecnológicos viabilizam isso em escala:
- Portal do contribuinte, integrado ao site da prefeitura.
- Notificações digitais estruturadas, com trilha probatória.
2. O que é “cobrança extrajudicial estruturada” na prática,
Não é mandar um boleto perdido por e-mail.
Cobrança extrajudicial estruturada envolve:
- Regras claras e padronizadas de abordagem (quem é cobrado, quando, por qual canal, com quais condições).
- Jornada definida do contribuinte: notificação → oferta de negociação → portal → acordo → acompanhamento.
- Registro sistemático de tudo: datas, canais usados, conteúdo enviado, retorno do devedor.
- Integração com sistemas de Dívida Ativa e contabilidade, para que acordos, pagamentos e baixas sejam refletidos automaticamente.
Ou seja, é uma política de cobrança, apoiada em tecnologia, que consegue:
- tratar milhares de devedores com coerência e rastreabilidade,
- sem exigir uma equipe gigante ligando manualmente para cada CPF/CNPJ.
3. Portal do contribuinte: o “balcão digital” da Dívida Ativa
O portal do contribuinte é o ponto de convergência da cobrança extrajudicial estruturada.
3.1. O que o portal precisa permitir
No mínimo, o contribuinte deve conseguir:
- Consultar sua situação:
- débitos em aberto (tributários e não tributários),
- status (em cobrança administrativa, protestado, em juízo, parcelado etc.).
- Simular e contratar acordos:
- opções de parcelamento com regras pré-configuradas,
- descontos de multa/juros em campanhas autorizadas em lei,
- visão clara de: entrada, número de parcelas, valor de cada parcela.
- Pagar on-line:
- emissão automática de boleto, Pix, cartão, conforme integrações disponíveis,
- baixa automática do título quando o pagamento é confirmado.
- Acompanhar histórico:
- acordos anteriores, quebras de parcelamento, pagamentos já feitos,
- notificações recebidas (e-mail, SMS, WhatsApp),
- eventuais comunicações de protesto e encaminhamento para execução.
3.2. Benefícios para o ente público
Com um portal bem integrado:
- Diminui o fluxo presencial de atendimentos (menos fila, menos guichê).
- Aumenta a capilaridade da cobrança: devedor resolve à noite, no fim de semana, de outra cidade, sem precisar ir à prefeitura.
- Melhora a percepção de transparência e organização: o contribuinte enxerga claramente o que deve, o que foi pago, o que foi negociado.
- Cria uma base de dados unificada (Dívida Ativa + pagamentos + negociações), fundamental para:
- ajustes para perdas,
- projeções fiscais,
- eventuais projetos de securitização.
4. Notificações digitais: WhatsApp, SMS, e-mail e notificação extrajudicial
O segundo pilar é a comunicação ativa com o devedor.
4.1. Multicanalidade com inteligência
Os canais mais comuns:
- WhatsApp – costuma ter maior taxa de leitura e resposta.
- SMS – útil para mensagens curtas com links.
- E-mail – bom para envio de boletos, termos de acordo, histórico.
- Notificação extrajudicial digital – via cartório ou plataforma equivalente, com valor probatório reforçado.
O que diferencia uma cobrança estruturada de uma ação improvisada é:
- Fluxos automatizados, configurados em cenários, por exemplo:
- D+X dias após vencimento → lembrete amigável (WhatsApp/SMS).
- D+Y dias → nova mensagem com link direto para o portal.
- D+Z dias → aviso de inclusão em Dívida Ativa / protesto, com prazos e consequências.
- Segmentação da carteira:
- contribuintes recorrentes, grandes devedores, microempreendedores, pessoas físicas, etc.
- mensagens adaptadas ao perfil e ao canal mais efetivo.
- Monitoramento de engajamento:
- quantos abriram a mensagem,
- quantos clicaram no link,
- quantos chegaram a simular acordo,
- quantos fecharam efetivamente a negociação.
4.2. Notificação extrajudicial como “passo de qualidade”
Além das mensagens digitais, a notificação extrajudicial formal:
- reforça a seriedade da cobrança,
- pode ser exigida em protocolos de governança antes do protesto ou ajuizamento,
- gera documento probatório útil tanto:
- em eventual discussão judicial,
- quanto em auditorias de Tribunais de Contas.
Quando integrada ao sistema, essa notificação não é “um ato isolado”, mas parte de um fluxo parametrizado:
Notificações digitais → ausência de resposta → notificação extrajudicial → sem acordo → protesto / execução.
5. Prova de esforço arrecadatório: o que órgãos de controle querem ver
Cada vez mais, CNJ, Tribunais de Contas e controladorias não querem ouvir só “nós tentamos cobrar”; querem ver como:
- quais meios foram usados,
- com que abrangência,
- com quais resultados,
- com que critério foram separados os casos para juízo, protesto ou cancelamento.
Uma cobrança extrajudicial estruturada gera, “de graça”, exatamente essa prova de esforço arrecadatório.
5.1. Que tipo de evidência a tecnologia consegue produzir
Um bom sistema deve registrar, para cada devedor e para a carteira como um todo:
- Linha do tempo de comunicações:
- data e hora de cada mensagem/ligação/notificação extrajudicial,
- canal usado,
- conteúdo ou modelo aplicado.
- Resposta do contribuinte:
- se abriu link,
- se acessou o portal,
- se simulou ou contratou acordo,
- se recusou ou ignorou.
- Decisões do ente:
- critérios de seleção para protesto,
- critérios de seleção para ajuizamento,
- critérios de envio para cancelamento (valor irrisório, prescrição, irrecuperabilidade).
5.2. Tradução disso para relatórios gerenciais e para controle externo
Com essa base, é possível gerar relatórios para:
- Gestores internos (Prefeito, Finanças, Procuradoria, RPPS):
- valor total em cobrança extrajudicial,
- taxa de conversão em acordos,
- valor recuperado por canal (WhatsApp, SMS, portal, protesto),
- tempo médio entre inscrição em Dívida Ativa e primeiro contato efetivo com o devedor.
- Órgãos de controle / Tribunais de Contas:
- demonstrar que não há inércia;
- evidenciar que execuções fiscais são ajuizadas após tentativas extrajudiciais adequadas;
- justificar critérios de cancelamento por irrecuperabilidade ou antieconomicidade;
- conectar isso a indicadores de i-Fiscal e a manuais de boas práticas de Dívida Ativa.
Ou seja, a cobrança extrajudicial bem documentada passa a ser argumento técnico para:
- sustentar políticas de alçada mínima para ajuizamento;
- mostrar que a extinção de execuções de pequeno valor não decorre de omissão, mas de decisão racional;
- defender que o município está alinhado a diretrizes de eficiência e economicidade.
6. Exemplo de jornada estruturada de cobrança extrajudicial
Para visualizar, imagine uma jornada-padrão configurada numa plataforma de gestão da Dívida Ativa:
- D+0 (vencimento)
- Sistema registra o débito e o vincula ao cadastro do contribuinte.
- D+15
- Mensagem automática (WhatsApp/SMS) lembrando o débito e oferecendo link para o portal.
- D+30
- Novo contato, com resumo da dívida e simulação rápida de parcelamento no portal.
- D+45
- E-mail formal com boleto/guia anexa e explicação dos próximos passos (inscrição em Dívida Ativa).
- D+60
- Inscrição em Dívida Ativa; envio de notificação extrajudicial digital com prazo para regularização.
- D+90
- Início do fluxo de protesto, conforme legislação e política do ente;
- Se ainda assim não houver acordo, o sistema avalia:
- valor do crédito,
- perfil do devedor,
- custo de execução,
- diretrizes de alçada mínima.
- D+X
- Para créditos selecionados, preparação de lote para execução fiscal, com petições iniciais padronizadas já geradas;
- Para créditos abaixo de alçada ou com baixa expectativa de recuperação, encaminhamento para:
- manutenção em cobrança extrajudicial de baixa intensidade, ou
- recomendação de cancelamento com base em critérios objetivos, arquivados e demonstráveis.
Essa jornada pode ser ajustada por tipo de tributo, por perfil de devedor, por valor ou por região, mas a lógica é sempre a mesma:
tecnologia + regra clara + registro completo = mais recuperação, menos risco e mais governança.
7. Conclusão: extrajudicial estruturada como ponte entre governança, resultado e proteção do gestor
Quando pensamos em portal do contribuinte + notificações digitais + prova de esforço arrecadatório, não estamos apenas “modernizando a cobrança”; estamos:
- melhorando a experiência do contribuinte, que passa a ter canais claros para regularizar sua situação;
- reduzindo custos e aumentando a taxa de recuperação em fases anteriores à execução fiscal;
- construindo, quase automaticamente, um dossiê de governança que pode ser apresentado a:
- Tribunais de Contas,
- Ministério Público de Contas,
- CNJ (quando a discussão envolver política de execuções fiscais).
Em um ambiente de reforma tributária, pressão por eficiência e foco crescente em indicadores como i-Fiscal / IEG-M, a cobrança extrajudicial estruturada deixa de ser “nice to have” e passa a ser infraestrutura crítica da gestão da Dívida Ativa.
É ela que permite ao município dizer, com evidência:
“Não apenas inscrevemos créditos. Nós cobramos com método, priorizamos com critério, respeitamos a economicidade e registramos cada passo. Se, ainda assim, algo for cancelado ou prescrito, foi decisão técnica – não omissão.”






